quinta-feira, 15 de abril de 2010

OLAVO BILAC E A TELEVISÃO

Para quem não conhece, vale ler o texto abaixo, escrito por Olavo Bilac para a Revista kosmos, em 1904. Nele, o autor mostra a sua angústia com a possível extinção do livro após o advento do jornal e da revista, demostra o seu incômodo com o processo acelerado de produção de notícias que se impunha e ainda vislumbra o que chamaríamos posteriormente de televisão. Fantástico!

Mais de quatro séculos nos separam do tempo em que os impressores de Moguncia e Strasburgo - espalhando pela Europa algumas folhas volantes, com as notícias da guerra entre gregos e turcos e das victórias do Sultão Mahotmet II - crearam o veículo rápido do pensamento humano, a que se deu depois este curto, mágico, prestigioso e expressivo nome: "jornal". Aquelles boletins dos discípulos e continuadores de Guttemberg foram, de facto, o núcleo gerador d'esta immensa e dilatada imprensa de informação, que avassalla a terra, dirigindo todo o movimento commercial, político e artístico da humanidade, pondo ao seu próprio serviço, à medida que aparecem, todas as conquistas da civilização, aumentando e firmando de anno em anno o seu domínio - e chegando a ameaçar de morte a indústria do livro, como acabam de confessar a um redactor de 'La Revue' todos os grandes editores da capital franceza.


Quem está matando o livro não é pròpriamente o jornal: e, sim, a revista, sua irmã mais moça, cujos progressos, no século passado e neste começo de século, são de uma evidencia maravilhosa. Mas o "jornal" e a "revista" confundem-se, formando juntos a província maior da imprensa, e aperfeiçoando-se juntos, numa evolução contínua, que ninguém pode prever quando nem como alcançará o seu último e summo estadio.


Justamente, agora, nos últimos dias de 1903, dois physicos francezes, Gaumont e Decaux, acabam de achar uma engenhosa combinação do phonographo e do cinematographo - o chronophono -, que talvez ainda venha a revolucionar a indústria da imprensa diária e periódica. Diante do apparelho, uma pessoa pronuncia um discurso: o chronophono recebe e guarda esse discurso, e, d'ahi a pouco, não somente repete todas as suas phrases, como reproduz, sobre uma tela branca, a figura do orador, a sua physionomia, os seus gestos, a expressão de sua face, a mobilidade dos seus olhos e dos seus lábios.


Talvez o jornal futuro seja uma applicação desta descoberta... A atividade humana aumenta, n'uma progressão pasmosa. Já os homens de hoje são forçados a pensar e a executar, em um minuto, o que os seus avós pensavam e executavam em uma hora. A vida moderna é feita de relâmpagos no cérebro, e de rufos de febre no sangue. O livro está morrendo, justamente porque já pouca gente pode consagrar um dia todo, ou ainda uma hora toda, à leitura de cem páginas impressas sobre o mesmo assumpto. Talvez o jornal futuro - para attender à pressa, à ansiedade, à exigência furiosa de informações completas, instantâneas e multiplicadas - seja um jornal fallado, e illustrado com projeções animatographicas, dando, a um só tempo, a impressão auditiva e visual dos acontecimentos, dos desastres, das catastrophes, das festas, de todas as scenas alegres ou tristes, sérias ou fúteis, d'esta interminável e complicada comédia, que vivemos a representar no immenso tablado do planeta...

Por agora - enquanto não chega essa era de supremo progresso -, contentemo-nos com o que temos, que já não é pouco...

[Extraída de Poesias, de Olavo Bilac, organização e prefácio de Ivan Teixeira, Editora Martins Fontes, São Paulo, 1997]. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/comunicacao/0001.html

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